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  • Dr. Orlando Pereira Faria

Cirurgia Bariátrica por Endoscopia: É possível, funciona?


A obesidade é uma doença crônica complexa, muito prevalente e de tratamento difícil.


O objetivo do tratamento efetivo é reduzir a meta de gordura corporal elevada.


Há uma grande heterogeneidade nas causas e manifestações da obesidade. Isso leva a uma larga variabilidade na resposta a todas as terapias anti-obesidade de paciente para paciente. Pessoas que respondem a um tratamento podem não responder a outro. A estratégia é combinar cada paciente com o tratamento mais efetivo e adequado a ele.


Nós temos também que combinar a agressividade do tratamento com a gravidade da doença. A gente deve começar com uma abordagem menos invasiva e intensificar o tratamento se for necessário. Devemos usar estratégias racionais e modelos preditivos quando disponíveis, quando não disponíveis, usar provas terapêuticas, isso para tratamentos não invasivos.


Devemos usar terapias combinadas para aumentar os benefícios e limitar os riscos.


A estratégia para o tratamento da obesidade segue um algoritmo de acordo com a necessidade clínica:


Mudanças no estilo de vida. Educação do paciente sobre hábitos alimentares, atividade física, controle do estresse, etcetera.

Mudanças no estilo de vida orientadas por profissionais. Dietas elaboradas por nutricionistas, atividade física com educador físico, aplicação de princípios de psicologia comportamental, consultas regulares e frequentes, etcetera.

Uso de medicamentos emagrecedores.

Cirurgia bariátrica.

Combinação de todos os itens acima, para melhorar ou corrigir os resultados da cirurgia bariátrica.

Os recursos endoscópicos preconizados atualmente ocupariam, presumivelmente, um lugar entre o tratamento medicamentoso e a cirurgia bariátrica. Ou mesmo quando necessário para melhorar ou corrigir resultados do procedimento bariátrico.


Para atestar a efetividade dos tratamentos endoscópicos atualmente disponíveis, e realmente ocupar um lugar no algoritmo do tratamento da obesidade, os procedimentos endoscópicos teriam que ser superiores aos tratamentos medicamentosos, em termos de perda de peso e melhora das comorbidades, teriam ainda que ser mais seguros e mais baratos.


Infelizmente não é o que os trabalhos científicos controlados têm mostrado. Um trabalho prospectivo e randomizado feito nos Estados Unidos por Sullivan, Cummings e Schauer, publicado na Revista Obesity em 2017, mostrou uma perda de peso de apenas 4,9 % do peso comparado com 1,4 % do grupo controle. O grupo submetido à gastroplastia endoscópica teve ainda 5% de efeitos adversos, como dor e abscesso hepático. O custo do tratamento endoscópico ficou em 11.000 dólares, o que daria para comprar o tratamento medicamentoso para um período de 25 anos.


Os tratamentos medicamentosos mais modernos, combinados com mudanças do estilo de vida orientados por profissionais, são mais eficazes a longo prazo, muito mais baratos e, com certeza, mais seguros do que as terapias endoscópicas.


Um estudo feito por Wadden, publicado na Obesity em 2019, utilizando o medicamento liraglutida e mudanças no estilo de vida, obteve uma perda de peso de 11,8% do peso inicial após 52 semanas de acompanhamento, além de uma melhora significativa nos fatores de risco cardiovascular.


Quanto a ser possível se fazer o tratamento endoscópico para a obesidade, sim, pode ser feito, mas, no presente os resultados apresentados são insuficientes para podermos recomendá-lo. No futuro, quem sabe?


Atualmente não existem resultados de longo prazo de nenhuma estratégia endoscópica para perda de peso.


Os tratamentos endoscópicos são menos invasivos do que a cirurgia bariátrica, mas têm o seu grau de perigo e invasão.


Os pontos cirúrgicos ou clips aplicados por dentro do estômago com o equipamento endoscópico para a confecção dos procedimentos são verdadeiros “tiros no escuro”, os materiais penetram na parede gástrica e eles podem lesar órgãos e estruturas anatomicamente adjacentes, sem que o endoscopista tenha percebido, e causar danos potencialmente fatais, existem vários relatos de tragédias provocadas pela perfuração de vasos sanguíneos de grosso calibre, lesões do intestino, lesões da vesícula biliar, do baço, entre outros.


As suturas por dentro da luz do estômago são extremamente instáveis, descolam-se e se desmancham facilmente, em parte pela ação dos sucos gástricos, em parte devido às características histológicas da parede gástrica. Quando observamos o aspecto endoscópico desses procedimentos poucos meses depois de terem sido feitos, vemos apenas um emaranhado de fios soltos, com o estômago tendo voltado à sua forma original e a “gastroplastia endoscópica” já não vale mais de nada.


Não adianta fazer novamente o procedimento que não funcionou, como ressuturar endoscopicamente o estômago, o que antes já não havia dado certo. Isso representa até um certo grau de ingenuidade absurda, de querer obter um resultado diferente, tendo feito a mesma coisa que foi feita anteriormente.


Existe uma verdade em medicina que é que se um determinado tipo de procedimento não funciona bem, sendo ineficaz, portanto, não é porque ele vai ser feito de outra maneira que vai passar a funcionar.


Os procedimentos bariátricos feitos por via aberta, que produziam apenas uma restrição mecânica à capacidade do indivíduo comer grandes volumes, tais como a banda gástrica, a gastroplastia vertical bandada, a plicatura gástrica, ou mesmo a colocação de um anel de silicone ao redor do estômago no bypass gástrico em Y de Roux, mostraram-se ineficazes, e, tanto faz que se faça esses procedimentos por via aberta, laparoscópica, ou mesmo endoscópica, eles vão continuar não funcionando.


Os procedimentos unicamente restritivos, em virtude da sua ineficiência e potenciais riscos, foram praticamente abandonados na prática médica moderna e não adianta serem reinventados “por endoscopia” para que tenham algum papel no tratamento da obesidade nos dias de hoje.


Ainda ouve-se falar que “obesidade é simplesmente o resultado de se comer muito e se fazer pouco exercício” e “o tratamento é fechar a boca”. Mas, verdadeiramente, a coisa não é tão simples assim. Quando se tenta resolver um problema complexo, tal como a obesidade, com uma solução muito simples, como três pontos de sutura por dentro do estômago, as chances de você fracassar são muito grandes.


A cirurgia bariátrica é o melhor tratamento para a obesidade a longo prazo, e em alguns casos o único, em razão da complexa gama de ações fisiológicas promovidas pela modificação cirúrgica sobre o aparelho digestivo.


A cirurgia bariátrica é uma intervenção fisiológica e/ou química. A perda de peso e a melhora na função metabólica resultam dessas respostas químicas. Os hormônios intestinais, os ácidos biliares e os produtos da microbiota intestinal têm papéis importantes. A parte mecânica tem um papel mínimo, muito menos do que se pensou no passado.


O princípio do funcionamento da sutura gástrica endoscópica (gastroplastia endoscópica) é puramente mecânico, isso se os pontos permanecessem por um tempo suficiente, o que realmente não acontece.


É preciso ressaltar que os procedimentos bariátricos endoscópicos são ainda considerados experimentais, eles não foram aceitos e regulamentados pelo Conselho Federal de Medicina no Brasil e foram recentemente rejeitados pela Sociedade Americana de Cirurgia Bariátrica e Metabólica. Portanto a aplicação dos métodos endoscópicos de tratamento para a obesidade devem obedecer a rigorosos protocolos de pesquisa experimental e devem ser previamente analisados pelos Comitês de Ética em Pesquisa e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Ministério da Saúde.


As técnicas endoscópicas, há que se falar, estão numa fase de desenvolvimento bem inicial e maiores refinamentos poderão algum dia oferecer melhores resultados. Pesquisas e desenvolvimentos adicionais serão necessários para se chegar a esses resultados.


Artigo desenvolvido por: Dr. Orlando Pereira Faria.

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